Jogos Nacionais em Ascensão: Como Desenvolvedoras Brasileiras Estão Transformando o Mercado Gamer

Exploramos o crescimento impressionante da indústria de games no Brasil, destacando as desenvolvedoras nacionais que conquistam o mundo com inovação, talento e criatividade. Entenda como políticas públicas, incentivos e exportações estão moldando o futuro dos jogos “made in Brazil”.

NetoJacy

10/8/202522 min read

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🎮 Aumento de Impostos nos Jogos Digitais: Entenda o Impacto no Mercado Gamer Brasileiro

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O artigo analisa o crescimento dos jogos nacionais e o papel das desenvolvedoras brasileiras, explorando políticas públicas, exportação, premiações e desafios do setor gamer.

Introdução

Nos últimos anos, a indústria brasileira de jogos digitais tem apresentado um crescimento impressionante e ganho de valorização no cenário global. O Brasil já se consolidou como o maior mercado de games da América e figura entre os maiores do mundo: em 2022, o setor movimentou cerca de US$ 2,7 bilhões, com projeção de chegar a US$ 3,5 bilhões em 2025. Estimativas indicam que o país já conta com mais de 100 milhões de jogadores – aproximadamente metade da população – colocando-o no top 5 mundial em número. Esse público massivo e apaixonado forma uma comunidade gamer vibrante, cuja demanda crescente vem impulsionando a produção nacional. A seguir, em estilo de reportagem, investigamos detalhadamente os fatores por trás da expansão do mercado brasileiro de games, o papel de estúdios independentes e grandes empresas, políticas de apoio do governo, casos de sucesso, reconhecimento internacional, exportação de jogos, desafios enfrentados e iniciativas de capacitação profissional no setor.

Jogadores e desenvolvedores brasileiros observam gráficos de crescimento diante da bandeira nacional, simbolizando o avanço econômico e criativo do setor de games no Brasil.

A expansão do mercado de jogos digitais no Brasil

O mercado de jogos eletrônicos no Brasil atravessa um período de franca expansão. Em 2021, o país ultrapassou o México e assumiu o posto de maior mercado de videogames da América Latina, com receita de US$ 1,4 bilhão. A partir daí, o crescimento acelerou: somente em 2021 houve um boom de 27,4% no faturamento do setor. Com essa trajetória, projeções da consultoria PwC indicam que a receita nacional pode dobrar até 2026, atingindo cerca de US$ 2,8 bilhões e representando quase metade (47,4%) de todo o mercado Latino-Americano. Globalmente, o Brasil já ocupa a 10ª posição em receita de games.

Parte desse crescimento se deve à ampla base de consumidores. Uma pesquisa de 2024 revelou que 73,9% dos brasileiros jogam algum tipo de jogo eletrônico regularmente. Essa proporção aumentou alguns pontos percentuais em relação ao ano anterior, mostrando a penetração cada vez maior dos games na cultura popular. Com mais de 103 milhões de jogadores ativos, o Brasil consolidou-se entre os maiores mercados consumidores do mundo. A comunidade gamer brasileira é diversa: a faixa etária predominante vai de 25 a 34 anos, 51% do público é feminino, e o smartphone é a plataforma preferida para 48% dos jogadores, seguido pelos consoles e PC. Esse cenário evidencia que os jogos digitais se tornaram uma das formas de entretenimento mais populares no país, ultrapassando em impacto até mesmo mídias tradicionais. Não por acaso, o setor de games já movimenta no mundo cinco vezes mais receita que a indústria do cinema.

Desenvolvedores brasileiros colaboram em estúdio de games com a bandeira nacional ao fundo, simbolizando inovação e orgulho nacional.

Desenvolvedoras independentes e grandes estúdios brasileiros

Paralelamente à expansão do consumo, a produção nacional de jogos também deu um salto notável na última década. Em 2014, existiam cerca de 150 estúdios desenvolvedores de games no país. Em 2024, esse número saltou para 1.042 estúdios, um crescimento de 695% (sete vezes mais). Nos últimos cinco anos, apenas, o número de estúdios mapeados aumentou 177%, indicando a rápida evolução do ecossistema de desenvolvedores independentes. Estima-se que mais de 13 mil pessoas trabalhem diretamente na criação e produção de jogos eletrônicos no Brasil, um aumento de 1.000% em menos de dez anos. Esse crescimento orgânico foi impulsionado pela popularização das tecnologias digitais, pela profissionalização do setor e pelo interesse cada vez maior do público local em conteúdos feitos no Brasil.

A maior parte das empresas nacionais de games são independentes de pequeno ou médio porte, muitas surgindo como startups apaixonadas por jogos. Um levantamento da Abragames mostrou que 86% dos estúdios possuem CNPJ (empresa formalizada), e cerca de 60% deles enquadram-se como microempreendedores individuais ou microempresas, com faturamento anual de até R$ 360 milhões. Ainda assim, já existem empresas brasileiras ganhando vulto internacional. A Wildlife Studios, fundada em 2011, tornou-se em 2019 o primeiro “unicórnio” brasileiro dos games (startup avaliada em mais de US$ 1 bilhão), com sucessos no mercado mobile como Tennis Clash e Sniper 3D. Outro exemplo de destaque é a gaúcha Aquiris Game Studio, fundada em 2007, conhecida pelo jogo de corrida Horizon Chase. Em 2023, a Aquiris recebeu um investimento estratégico da gigante norte-americana Epic Games (criadora de Fortnite) e passou a integrar o grupo como Epic Games Brasil, tornando-se o primeiro estúdio da Epic na América Latina. Também houve movimento de aquisições: em 2022, o estúdio brasileiro PUGA (Recife) foi comprado pelo grupo global Room 8, sediado no Chipre – sinal do interesse internacional pelo talento brasileiro.

Enquanto isso, centenas de estúdios independentes (“indies”) continuam surgindo e conquistando seu espaço. Muitos desenvolvem propriedades intelectuais originais – 93% dos estúdios nacionais já lançaram jogos próprios – frequentemente explorando temáticas locais e criatividade autoral. Mais da metade também presta serviços terceirizados para outras empresas, como arte, programação ou co-desenvolvimento, o que tem sido uma estratégia de sustentação financeira. Com a recente onda de demissões em empresas de tecnologia no exterior, a demanda por terceirização aumentou e estúdios brasileiros têm ocupado essas oportunidades, beneficiados pelo câmbio (real desvalorizado) e pela competência técnica em ferramentas como a engine Unity. “Estamos em um momento de amadurecimento, com um setor cada vez mais profissionalizado, diferente do que era há 10 ou 15 anos”, afirma Rodrigo Terra, presidente da Abragames, sobre a evolução das desenvolvedoras nacionais. Hoje, cerca de 65% das empresas brasileiras de games já obtêm parte de sua receita do exterior, mostrando que a produção local começa a ganhar visibilidade e clientes globalmente, embora ainda responda por apenas 10% do consumo interno – evidenciando um grande potencial de crescimento pela frente.

Mural artístico homenageia o sucesso dos jogos brasileiros, com silhuetas e ícones inspirados em Dandara, 171, Horizon Chase e Blazing Chrome, iluminados por luz dourada e a bandeira do Brasil.

Apoio governamental e políticas públicas para a indústria

Historicamente, a indústria de jogos no Brasil se desenvolveu com pouco apoio governamental específico, enfrentando desafios como alta tributação e escassez de incentivos. Contudo, isso começou a mudar. Em 2022, foi aprovada a chamada Lei Paulo Gustavo, que destinou recursos de fomento à cultura (incluindo projetos de games) no pós-pandemia. E em maio de 2024, o país deu um passo marcante com a sanção do Marco Legal dos Jogos Eletrônicos (Lei 14.852/24), a primeira legislação federal voltada exclusivamente ao setor de games. Essa lei estabelece que a indústria de jogos é parte da economia criativa, da cultura e da inovação tecnológica, desvinculando-a oficialmente da categoria de jogos de azar (como apostas e caça-níqueis) – uma distinção importante para fins regulatórios. O Marco Legal criou mecanismos para desburocratizar e incentivar a atividade: por exemplo, permite que empresas de games se enquadrem no regime Inova Simples, de abertura simplificada para startups, e esclarece a possibilidade de uso de benefícios fiscais já existentes nas leis de incentivo à cultura (como a Lei Rouanet e a Lei do Audiovisual) para projetos de jogos. Além disso, a lei visa corrigir distorções tributárias, prevendo a regulamentação do desembaraço aduaneiro e da redução de taxas de importação de consoles e componentes, fomentando a inovação e o acesso a tecnologia no setor.

Outro ponto central do Marco Legal é a determinação de que o Estado deverá apoiar a formação de recursos humanos para a indústria de jogos. Essa diretriz abre caminho para mais investimentos em educação e capacitação na área (sobre o que falaremos adiante). “Jogo é cultura, e o Brasil demorou para entender isso. O Marco Legal é um passo importante para a indústria, tanto pelo reconhecimento institucional quanto pelo fomento”, avalia Ricardo Justus, CEO do estúdio Arvore. A expectativa dos líderes do setor é que, com o reconhecimento oficial dos games como parte da economia criativa e apoio governamental, o Brasil possa “ser catapultado a um novo patamar” na indústria global. Já começam a surgir iniciativas públicas: editais específicos para jogos digitais, antes esporádicos, têm se tornado mais frequentes – 27% dos estúdios nacionais já recorreram a editais públicos de fomento em nível federal ou estadual para financiar projetos. Também há editais do audiovisual e da área de tecnologia que foram abertos aos games (fontes de apoio para 18% e 11% dos estúdios, respectivamente). Mesmo tímidos, esses programas de incentivo sinalizam uma mudança na postura governamental, que passa a enxergar jogos eletrônicos como setor estratégico de economia criativa, inovação e exportação.

Desenvolvedores brasileiros jogam e analisam projetos em um estúdio moderno, com a cidade ao fundo, simbolizando o crescimento e profissionalização do mercado nacional.

Casos de destaque no mercado interno e internacional

A cena brasileira de desenvolvimento de jogos produziu, nos últimos anos, diversos títulos de destaque que ganharam reconhecimento tanto no mercado interno quanto lá fora. Entre os cases nacionais mais celebrados está Dandara (2018), jogo indie de plataforma produzido pelo estúdio Long Hat House, de Belo Horizonte. Dandara conquistou crítica e público ao mesclar jogabilidade desafiadora no estilo “metroidvania” com referências à cultura e história brasileira. O game recebeu prêmios como Melhor Jogo Brasileiro do Ano no Brazil Game Awards 2018 e Melhor Jogo no festival acadêmico SBGames. Internacionalmente, Dandara entrou para a história ao ser eleito um dos 10 melhores jogos do ano pela revista Timeprimeiro jogo brasileiro a aparecer nesse ranking anual da prestigiada publicaçãorevistamarieclaire.globo.com. O feito ganhou destaque ao lado de títulos de peso mundial (no mesmo top 10 da Time figuravam God of War e Red Dead Redemption 2). Além disso, Dandara chegou a ser apresentado na E3 2017, a maior feira de games do mundo, e concorreu em premiações internacionais, como o D.I.C.E. Awards, onde foi nomeado na categoria de jogo portátil do ano. Todo esse reconhecimento colocou o Brasil no mapa dos indies globais, demonstrando que um estúdio pequeno nacional pode criar obras de relevância mundial.

Outro fenômeno de popularidade é 171, apelidado de "o GTA brasileiro". Desenvolvido pela Betagames Group, este jogo de mundo aberto se passa em cenários urbanos fictícios inspirados nas cidades brasileiras e traz uma temática criminal semelhante à famosa franquia Grand Theft Auto. Muito antes de ser lançado, 171 já havia viralizado em vídeos e comunidades online devido à familiaridade com a realidade brasileira – de modelos de carros a gírias e cenários. Essa expectativa se converteu em sucesso: quando lançado em acesso antecipado na Steam em novembro de 2022, 171 rapidamente alcançou o 1º lugar em vendas na plataforma no Brasil. Em poucas horas estava entre os jogos mais vendidos, demonstrando a força da comunidade local em apoiar um jogo com sua própria cara. O título segue em desenvolvimento, mas já provou que há um grande mercado interno para jogos ambientados em contextos brasileiros. Sua trajetória inclui campanhas de financiamento coletivo bem-sucedidas – arrecadou quase R$ 200 mil dos fãs para acelerar a produção – e aparições de destaque em eventos como a Brasil Game Show, onde chegou a ser citado pelo portal IGN como um dos principais destaques da feira devido ao burburinho gerado no público. 171 exemplifica como a valorização dos jogos nacionais passa também pelo anseio dos jogadores em se ver representados nas histórias e cenários dos games.

Horizon Chase Turbo (2018), do estúdio Aquiris, é um caso de sucesso que uniu nostalgia e qualidade técnica, conquistando jogadores no Brasil e no exterior. Inspirado em clássicos de corrida arcade dos anos 90 (especialmente Top Gear, extremamente popular no país), Horizon Chase trouxe de volta a emoção dos gráficos estilizados e trilha sonora eletrizante, inclusive com participação do compositor Barry Leitch (autor da música de Top Gear). O jogo saiu primeiro para celulares e depois ganhou versão para consoles e PC, tornando-se uma franquia brasileira de renome internacional. Logo no lançamento, foi listado entre os 25 melhores games mobile de 2015 na App Store da Apple, recebendo destaque global. Na sequência, Horizon Chase foi o primeiro game nacional a vencer o BIG Festival, principal festival de jogos independentes da América Latina, em 2016. O reconhecimento continuou com parcerias de peso: em 2021, o estúdio lançou uma expansão em homenagem ao lendário piloto Ayrton Senna (Horizon Chase Turbo – Senna Sempre), celebrada pelos fãs de automobilismo e que rendeu ao jogo o prêmio de Melhor Jogo Brasileiro do Ano pelo Brazil Game Awards naquela edições. O sucesso de Horizon Chase ajudou a Aquiris a abrir portas – o jogo serviu como “cartão de visitas” que levou a empresa a ser convidada pela própria Apple a desenvolver para o Apple Arcade, e também chamou a atenção da Epic Games, culminando na parceria citada anteriormente. Hoje, Horizon Chase e sua sequência figuram em lojas de todo o mundo, mostrando que um jogo com DNA brasileiro pode competir no mercado internacional em igualdade de condições.

Vale mencionar ainda outros títulos brasileiros que alcançaram projeção. A Behold Studios, de Brasília, criou sucessos cult como Knights of Pen & Paper (RPG retrô) e Chroma Squad (simulador tático inspirado em séries de super sentai), jogos que fizeram barulho lá fora a ponto de o estúdio conseguir fãs e posteriormente se internacionalizar. No terror, o indie Fobia: St. Dinfna Hotel (2022) ganhou espaço entre streamers e foi lançado globalmente; na ação futurista, Dolmen (2022) chegou aos consoles de nova geração com distribuição internacional. Até mesmo no gênero de realidade virtual, o Brasil tem se destacado – o estúdio Arvore ganhou prêmios com a série Pixel Ripped. Esses casos demonstram a diversidade de gêneros e estilos explorados pelos desenvolvedores brasileiros, do plataforma 2D artístico ao horror de sobrevivência, do racing retrô ao VR imersivo. Com criatividade e esforço, jogos “Made in Brazil” estão conquistando seu espaço, seja através de aclamação da crítica, prêmios especializados ou da resposta entusiasmada do público gamer.

Premiações, festivais e reconhecimento internacional

A conquista de prêmios e reconhecimentos em festivais tem sido fundamental para elevar o patamar dos jogos brasileiros e dar visibilidade internacional. No cenário doméstico, consolidou-se nos últimos anos o Brazil Game Awards (BGA), uma premiação da imprensa brasileira que elege os melhores jogos do ano – incluindo categorias para jogos nacionais. Títulos como Dandara e Horizon Chase Turbo já faturaram o troféu de Jogo Brasileiro do Ano no BGA em suas respectivas edições, chancelando sua qualidade perante críticos locais. Outro marco é o BIG Festival (Brazil’s Independent Games Festival), realizado anualmente em São Paulo desde 2012, que se tornou o maior festival de games independentes da América Latina e um dos principais do mundo. O BIG não apenas premia os melhores jogos independentes (brasileiros e estrangeiros) em diversas categorias, como também funciona como uma vitrine internacional – desenvolvedores indies do mundo todo inscrevem seus projetos e participam de rodadas de negócios no evento. O fato de Horizon Chase ter vencido a competição principal do BIG em 2016 ilustra como produções brasileiras vêm brilhando nesse palco. Em edições mais recentes, jogos nacionais continuam figurando entre finalistas e vencedores, o que atrai atenção de publicadoras e da imprensa global.

Fora do país, o caminho dos brasileiros em premiações internacionais começa a se desenhar. Como mencionado, Dandara rompeu barreiras ao aparecer na cobiçada lista de melhores do ano da revista Time em 2018, algo inédito para um jogo desenvolvido no Brasil. O mesmo título foi indicado ao D.I.C.E. Awards em Las Vegas – premiação considerada o “Oscar” dos games – concorrendo lado a lado com produções de grandes estúdios. Em festivais indie pelo mundo, há registros de premiações para brasileiros: por exemplo, o jogo Aritana e a Pena da Harpia (adventure inspirado no folclore indígena, da Duaik Entretenimento) ganhou visibilidade ao vencer o Indie Prize de San Francisco em 2015. Já Celeste, embora produzido em grande parte no exterior, teve participação crucial de desenvolvedores brasileiros (estúdio MiniBoss de São Paulo na arte) e foi laureado Melhor Jogo Independente no The Game Awards 2018 – mostrando que talentos brasileiros também colaboram em jogos aclamados internacionalmente. Esses reconhecimentos pavimentam o caminho para que a marca do Brasil nos games seja associada à qualidade e inovação.

O circuito de eventos também vem crescendo: além do BIG Festival, o país abriga a Brasil Game Show (BGS), uma das maiores feiras de games do mundo em público, que apesar de focar em consumidores já atrai estúdios indie e grandes marcas estrangeiras, elevando a visibilidade local. Em 2023, São Paulo sediou pela primeira vez uma edição regional da Gamescom, maior evento global do setor, chamada Gamescom Asia / Latam. A Gamescom Latam 2025 ocorreu no Expo Center Norte em São Paulo, marcando a entrada oficial do Brasil no calendário anual dos megaeventos de games. Essa realização reforça o prestígio internacional do país, ao mesmo tempo em que oferece uma vitrine para os estúdios brasileiros mostrarem seus projetos a uma audiência e mídia mundial sem precisar sair de casa.

Exportação de jogos e presença do Brasil em eventos mundiais

A internacionalização tornou-se palavra de ordem para a indústria brasileira de games. Jogos são produtos digitais de fácil distribuição global – com poucas barreiras de entrada, especialmente no mercado mobile – o que favorece os estúdios locais a buscarem jogadores além das fronteiras nacionais. Muitos desenvolvedores já nascem pensando de forma global, lançando seus jogos em inglês e outros idiomas desde o início, ainda que o foco inicial seja o público brasileiro. Esse movimento é apoiado por iniciativas como o Projeto Setorial Brazil Games Export, uma parceria da Abragames com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil). Há mais de uma década, o Brazil Games organiza delegações de desenvolvedores brasileiros para participarem de feiras e rodadas de negócios no exterior. Por meio desse programa, estúdios nacionais têm marcado presença em grandes eventos internacionais do setor, como a Game Developers Conference (GDC) em São Francisco, a Gamescom em Colônia (Alemanha) e a Tokyo Game Show no Japão, entre outros. Nesses eventos, os brasileiros exibem seus jogos em estandes coletivos, fazem networking com publishers e investidores e fecham acordos de distribuição internacional.

O resultado é visível: atualmente 65% dos estúdios brasileiros já exportam parte de seus jogos ou serviços. Títulos brasileiros estão disponíveis nas principais lojas digitais do mundo (Steam, App Store, Google Play, consoles) e alguns conseguem desempenhos notáveis em mercados externos. Por exemplo, jogos mobile de estúdios como Wildlife, TFG e Tapps figuram entre os mais baixados em diversos países. Além disso, empresas estrangeiras estão de olho no Brasil não apenas como mercado consumidor, mas como fonte de conteúdo: a parceria Epic–Aquiris e a aquisição do estúdio PUGA por grupo europeu, já citadas, evidenciam a confiança de investidores internacionais na capacidade brasileira de produzir jogos para o mundo.

A presença do Brasil em feiras e eventos mundiais também se dá de forma institucional. Em 2022, o país foi homenageado como “país parceiro” no Festival de Jogos de Busan, na Coreia do Sul, exibindo dezenas de jogos brasileiros ao público asiático. Delegações oficiais também compareceram ao SXSW (Austin, EUA) e ao Game Connection (Europa) nos últimos anos. Por outro lado, eventos realizados no Brasil têm atraído atenção global: a já mencionada BGS trouxe ao país ícones como Hideo Kojima e Phil Spencer, e o BIG Festival firmou parceria com a Gamescom a partir de 2023, aumentando o intercâmbio internacional. Em 2024, a inédita Gamescom em solo brasileiro reuniu grandes players globais em São Paulo e exibiu jogos indie nacionais ao lado de lançamentos estrageiros. Essa via de mão dupla – levar criadores brasileiros ao mundo e trazer eventos mundiais ao Brasil – fortalece a integração da indústria brasileira no contexto global.

Como pontua Fernando Chamis, diretor da Webcore Games, “jogo é a mídia mais fácil de internacionalizar, mais do que livros ou música”, pois lançar globalmente é tecnicamente simples; o verdadeiro desafio está em ter jogos de qualidade para se destacar na concorrência elevada lá fora. Ainda assim, há otimismo de que, com a base de talentos crescendo e o suporte certo, o Brasil aumentará sua participação no mercado global de games nos próximos anos.

Infográfico exibe o crescimento da receita do mercado de games brasileiro entre 2017 e 2025, com barras ascendentes, fundo em tons de azul e verde e destaque para o Brasil como potência gamer emergente.

Desafios enfrentados pelas desenvolvedoras nacionais

Apesar dos avanços, desenvolver games no Brasil ainda traz uma série de desafios e obstáculos a serem superados. Um dos principais gargalos é financeiro. A maior parte dos estúdios independentes depende de recursos próprios: cerca de 46% do financiamento das empresas vêm dos fundadores, familiares ou amigos. Conseguir investimento externo ainda é difícil – somente 8% dos estúdios relataram ter recebido aporte de investidores-anjo e apenas 5% captaram fundos de venture capital. Ou seja, o ecossistema de investimento em games no país está engatinhando. Falta compreensão, por parte de muitos investidores tradicionais, sobre o potencial e modelo de negócios do setor, o que leva a poucos aportes e de valores ainda incipientes. As desenvolvedoras enfrentam dificuldade para acessar crédito em bancos e órgãos nacionais, em parte por desconhecimento e também pela falta de garantias ou histórico de receita constante, típico de empresas de tecnologia em estágio inicial. Nesse cenário, a alternativa comum é recorrer a publishers estrangeiros – 16% das empresas apontam investimento de publicadoras internacionais como fonte de recursos – porém isso às vezes implica ceder direitos ou parte da liberdade criativa em troca do financiamento. Burocracia e carga tributária também figuram entre as reclamações frequentes: a importação de equipamentos e consoles sempre foi onerada por impostos altos (daí a relevância da nova lei em reduzir essas taxas), e a complexidade para aproveitar leis de incentivo cultural no caso de jogos desanimava muitos produtores até então.

Outro desafio significativo é a falta de profissionais qualificados em quantidade suficiente. Até poucos anos atrás, praticamente não havia cursos superiores ou técnicos especializados em jogos digitais; muitos desenvolvedores brasileiros são autodidatas ou migraram de áreas afins (TI, design gráfico, etc.). Essa carência de formação formal resultou em escassez de mão de obra em determinadas especialidades, como programação de motores de jogo ou arte 3D de alta complexidade. Nos últimos anos, embora tenham surgido graduações e cursos livres (conforme veremos adiante), o setor ainda sofre para encontrar profissionais experientes localmente, levando estúdios a competir por talentos ou treiná-los do zero. Há relatos de “êxodo” de talentos: desenvolvedores promissores por vezes são contratados por empresas do exterior ou, como no caso do estúdio Behold, os fundadores sentiram necessidade de migrar para o Canadá em busca de um ecossistema mais maduro e acesso a investimentos e publicações internacionais.

A sustentabilidade financeira de longo prazo é outro ponto de atenção. A maioria dos estúdios brasileiros são microempresas que faturam pouco anualmente – 3 em cada 5 estúdios fatura até R$ 360 mil/ano, o que em muitos casos mal cobre uma equipe pequena. Pouquíssimos atingem cifras milionárias recorrentes. Isso torna complicado escalar projetos ambiciosos ou reter talentos (é comum profissionais migrarem para outras áreas de TI que pagam melhor). A dependência de um sucesso esporádico também é arriscada: um jogo que não atinge vendas boas pode significar o fim de um estúdio pequeno. Para mitigar isso, muitos adotam a estratégia de serviços terceirizados e trabalhos sob encomenda para sobreviver entre um projeto autoral e outro, mas isso pode desviar o foco da criação original.

Ademais, existem desafios de infraestrutura. Embora a situação tenha melhorado, ainda há regiões no Brasil com acesso limitado à internet rápida ou tecnologia de ponta, o que pode dificultar operações de estúdios fora dos grandes centros. A compra de equipamentos e softwares legítimos em dólar é custosa com a moeda brasileira desvalorizada. E questões culturais também pesam: por muito tempo os games não foram encarados como “coisa séria” no Brasil, prejudicando a formação de políticas específicas e a mentalidade de investidores e do público. Esse panorama vem mudando, mas lentamente. Como resumiu Hugo Vaz, cofundador da Behold Studios, “os jogos precisam ser vistos com mais seriedade pelos grupos de investimento; há pouco entendimento dos desafios do setor”, complementando que mais ajuda do governo e programas de carreira seriam bem-vindos para fortalecer o mercado.

Em síntese, os desenvolvedores brasileiros precisam driblar um combo de burocracia, pouco financiamento, impostos altos, escassez de mão de obra experiente e acesso restrito a tecnologias, entre outros entraves. Ainda assim, a persistência e criatividade têm mostrado que é possível superar muitas dessas barreiras – sobretudo quando há apoio coletivo e organização da comunidade.

Iniciativas de capacitação e formação profissional no setor

Consciente de que a qualificação de profissionais é vital para sustentar o crescimento da indústria, o Brasil tem visto multiplicarem-se as iniciativas de capacitação e formação em desenvolvimento de games. No âmbito acadêmico, hoje já existem diversos cursos de graduação e pós-graduação especializados em Jogos Digitais ou áreas correlatas, oferecidos por instituições como a PUC, USP, UFMG, UFPE, entre outras. Essas formações abrangem desde programação de jogos, design de games, arte digital até negócios e narrativa, formando novas gerações de desenvolvedores com conhecimento formal. Algumas universidades têm laboratórios e incubadoras de jogos, promovendo a criação de projetos ainda na sala de aula.

Além do ensino superior, escolas técnicas e organizações do Sistema S também passaram a olhar para o setor. Por exemplo, o Senac São Paulo oferece um curso livre de Desenvolvedor de Games em seu catálogo, e o SENAI lançou cursos de programação focados em interatividade e gamificação. Há ainda inúmeras opções de cursos online e bootcamps privados (Alura, Danki Code, EBAC, etc.) que popularizaram a aprendizagem de ferramentas como Unity, Unreal Engine e Blender entre jovens autodidatas brasileiros.

Uma iniciativa de destaque é a do Sebrae, que tem atuado para capacitar empreendedores de games. Em parceria com a Abragames, o Sebrae lançou programas como o Sebrae Games/Crie Games, que oferece workshops gratuitos, mentorias e até aceleração para pequenos estúdios iniciantes. O objetivo é complementar as habilidades técnicas com conhecimento de negócios: marketing, gestão de projetos, estratégias de monetização e negociação com publishers. “Mais do que criar games, é preciso saber gerir um negócio. [...] dominar tarefas administrativas e gerenciais é essencial para criar produtos com viabilidade comercial”, explica Raquel Dias, gerente do Sebrae, sobre a importância dessa capacitação empresarial no setor. Programas assim têm ajudado estúdios a se prepararem melhor para feiras e rodadas de investimento, aumentando suas chances de sucesso no disputado mercado global.

O próprio Marco Legal dos Jogos Eletrônicos (2024), como vimos, prevê apoio governamental à formação de profissionais. Isso pode se traduzir, no futuro, em investimentos públicos em cursos técnicos, bolsas de estudo ou ampliação de centros de tecnologia com foco em jogos. Já existem alguns projetos regionais: por exemplo, a prefeitura de São Paulo via SPcine já apoiou laboratórios e game jams; no Nordeste, eventos como o SAGA (Semana Acadêmica de Games) estimulam a troca de conhecimento entre estudantes e profissionais. Comunidades de desenvolvedores, como grupos em redes sociais e encontros informais (meetups), também exercem um papel importante na troca de experiências e mentoria espontânea para novos talentos.

Hoje, diferentemente de uma década atrás, um jovem brasileiro que queira seguir carreira em games encontra mais caminhos estruturados para isso. “Há mais faculdades, conhecimento na internet, mais oportunidades de exposição e uma comunidade mais esclarecida sobre a profissão”, opina Hugo Vaz, da Behold Studios, ressaltando que o ambiente para começar um projeto no Brasil melhorou bastante. Por outro lado, ele alerta que a competitividade também aumentou – não só entre os desenvolvedores locais, mas diante da avalanche de jogos lançados globalmente a cada dia. Isso torna a capacitação contínua e a atualização uma necessidade: estúdios buscam treinamentos em novas tecnologias (como VR/AR, blockchain, etc.) para não ficarem para trás.

Em resumo, construir uma indústria forte passa por formar profissionais capacitados e fomentar o espírito empreendedor nos games. As iniciativas em curso indicam que Brasil está no caminho de criar uma base de talentos cada vez mais preparada para os desafios do desenvolvimento de jogos.

Jovens sonhando com novos jogos e observando as novas tecnologias e avanços dos games.

Conclusão

O panorama dos games no Brasil em meados da década de 2020 é de um setor em plena ebulição. O mercado consumidor de jogos digitais no país é gigantesco e segue crescendo, ao mesmo tempo em que o desenvolvimento nacional floresce com centenas de novos estúdios e projetos originais de destaque. Jogos nacionais e seus criadores vêm conquistando reconhecimento e respeito, seja através de prêmios internacionais, da adoção massiva pelo público brasileiro ou de parcerias globais de investimento. Essa valorização, porém, não aconteceu da noite para o dia: é fruto de anos de perseverança da comunidade gamer e dos desenvolvedores, que driblaram obstáculos e provaram seu valor.

Desafios persistem – financiamento, burocracia, qualificação profissional –, mas nunca houve um momento tão promissor. O apoio governamental começou a se materializar em leis e incentivos específicos, sinalizando um novo patamar de seriedade dado ao setor. A comunidade gamer brasileira, por sua vez, demonstra apetite por produções locais e tem um papel fundamental ao abraçar esses jogos, tornando possíveis casos de sucesso como 171. Iniciativas de capacitação e networking indicam que os próximos anos tendem a formar ainda mais talentos e negócios sustentáveis em torno de games.

Como numa fase de expansão de um jogo, a indústria brasileira de games desbloqueou novos recursos e alcançou um nível superior. Resta continuar evoluindo – buscando inovação, qualidade e profissionalismo – para que os jogos nacionais conquistem espaço cada vez maior nas prateleiras virtuais do mundo e no coração dos jogadores. Se mantiver o ritmo e receber os apoios necessários, o Brasil tem tudo para se firmar não apenas como um enorme mercado consumidor, mas também como um player global na criação de jogos digitais, exportando criatividade e divertindo milhões por meio de suas próprias histórias e talentos. A fase bônus da indústria nacional de games está só começando, e o “GG” – good game – do Brasil no cenário mundial parece mais próximo do que nunca.

Fontes e Referências (ABNT)

Os dados e declarações apresentados neste artigo foram obtidos de fontes confiáveis, incluindo relatórios da Abragames (Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Games), estudos de mercado da Newzoo e PwC (PricewaterhouseCoopers), artigos de imprensa especializada e geral, e informações fornecidas por entidades oficiais e institucionais como o Sebrae e registros de premiações nacionais e internacionais.

Referências Diretas e Complementares:

ABRAGAMES. Brazil Games Industry Report 2024. Associação Brasileira das Desenvolvedoras de Games, São Paulo, 2024.

NEWZOO. Global Games Market Report 2024. Newzoo BV, Amsterdam, 2024.

PRICEWATERHOUSECOOPERS (PwC). Global Entertainment & Media Outlook 2024–2028. PwC, Londres, 2024.

ISTOÉ DINHEIRO. Indústria brasileira de games cresce e atrai investidores internacionais. Disponível em: https://istoedinheiro.com.br. Acesso em: 8 out. 2025.

INFOMONEY. Mercado de games no Brasil deve superar US$ 3,5 bilhões em 2025. Disponível em: https://www.infomoney.com.br. Acesso em: 8 out. 2025.

VEJA. Os games “Made in Brazil” e o fortalecimento do setor nacional. Disponível em: https://veja.abril.com.br. Acesso em: 8 out. 2025.

MARIE CLAIRE. Mulheres transformam o cenário dos games no Brasil. Disponível em: https://revistamarieclaire.globo.com. Acesso em: 8 out. 2025.

TANGERINA/UOL. Premiações internacionais destacam o talento dos estúdios brasileiros. Disponível em: https://www.tangerina.uol.com.br. Acesso em: 8 out. 2025.

FOLHA DE S.PAULO. Jogos brasileiros ganham espaço na economia criativa global. Disponível em: https://www.folha.uol.com.br. Acesso em: 8 out. 2025.

SEBRAE. Games: um novo motor da economia criativa brasileira. Disponível em: https://www.sebrae.com.br. Acesso em: 8 out. 2025.

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Pessoas analisam gráficos ascendentes com a bandeira do Brasil ao fundo, representando o crescimento
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Equipe brasileira desenvolvendo jogo em estúdio com a bandeira do Brasil ao fundo.
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Mural estilizado celebra os principais jogos brasileiros com símbolos e luz dourada sobre a bandeira
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Desenvolvedores brasileiros em estúdio moderno com telas de games
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Gráfico mostra crescimento do mercado de games no Brasil com barras ascendentes de 2017 a 2025.
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Jogadores incorporando os jogos. E observando as novas possibilidades.
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